sábado, 25 de julho de 2009

Filosofia e mito

A filosofia surge através do mito, mas a ele acaba se opondo. Nos finais do século V a.C., depois do auge da filosofia, da oratória, e da prosa, o destino e a veracidade dos mitos se tornaram incertos e as genealogias mitológicas deram lugar a uma nova concepção da origem das coisas, sendo que essa concepção tinha como prioridade a exclusão do supernatural (isto se mostra claro nas histórias tacidianas). Enquanto os poetas e dramaturgos elaboravam os mitos, os historiadores e os filósofos desprezavam-os e criticavam-os.
Certos filósofos radicais, como Xenófanes, começaram no século VI a. C. a rotular os textos dos poetas como blasfêmias: Xenófones queixava-se de que Homero e Hesíodo atribuiam aos deuses "tudo o que é vergonhoso e escandaloso entre os homens, pois os deuses roubam, matam, cometem adultério, e enganam uns aos outros". Essa linha de pensamento encontrou sua expressão mais dramática em A República (acerca da justiça, do universo e dos diversos tipos de governo) e em Leis (que trata da lei divina e natural, da educação e da relação entre filosofia, política e religião) de Platão. Platão criou os seus próprios mitos alegóricos (como o de Er em A República), atacando os contos tradicionais dos trucos, e tratando os furtos e os adultérios como imorais, opondo-se ao papel central que vinham tomando na literatura grega. A crítica de Platão - que rotulava os mitos de "palavrões antigos" - foi o primeiro exercício e desafio sério à tradição mitológica homérica. Aristóteles, por sua vez, criticou o enfoque filosófico pré-socrático quase-mitológico e destacou que "Hesíodo e os escritores telógicos estavam preocupados unicamente com o que lhes parecia plausível e não tinham respeito pelos outros [...] Mas não merece a pena tomar a sério os escritores que alardeiam o estilo mitológico; aqueles que procedem a demonstrar suas afirmações devem ser re-examinados".

As explicações filosóficas, que pretendiam revisar as mitológicas, criaram consequências para seus autores: Anaxágoras, por exemplo, partiu para um auto-exílio fora de Atenas, por duvidar que a lua fosse uma deusa (explicação mitológica) e afirmar que, pelo contrário, vislumbrava em sua terra mares e montanhas. Aristóteles, que não aceitava a explicação de que o titã Atlas carregava a terra e o céu nas costas (afirmação que rotulou de "ignorância e superstição do povo grego"), exilou-se por temer que terminasse como Sócrates, que obteve acusação de impiedade e morreu. Sócrates foi condenado com 71 anos, acusado, entre outras coisas, de ateísmo e de corromper os jovens com seus ensinamentos. Meleto, um dos acusadores, havia argumentado que "[...]Sócrates é culpado do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo pedido: a morte". Sócrates, após ficar preso a ferros durante 30 dias, morreu num método de veneno da prisão da época.

Essas perseguições se estenderam épocas depois, atingindo seu auge na Idade média (onde o cristianismo substituiu a filosofia) e declinando durante o Renascimento e principalmente no Iluminismo (onde a filosofia grega começava a ser retomada e revisada). Todavia, Platão não cuidou de separar si mesmo e sua sociedade da influência dos mitos: sua própria caracterização de Sócrates é baseada nos patronos tradicionais trágicos e homéricos, usados pelo filósofo para louvar o curso de vida do seu mestre. Em Apologia de Sócrates, Platão prescreve o discurso dado supostamente por Sócrates em seu julgamento:
“ Mas talvez pudesse alguém dizer: "Não te envergonhas, Sócrates, de te aplicardes a tais ocupações, pelas quais agora está arriscado a morrer?" A isso, porei justo raciocínio, e é o seguinte: "não estás falando bem, meu caro, se acreditas que um homem, de qualquer utilidade, por menor que seja, deve fazer caso dos riscos de viver ou morrer, e , ao contrário, só deve considerar uma coisa: quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto. Porquanto, segundo a tua opinião, seriam desprezíveis todos aqueles semi-deuses que morreram em Tróia. E, com eles, o filho de Tétis, o qual, para não sobreviver à vergonha, desprezou de tal modo o perigo que, desejoso de matar Heitor, não deu ouvido à predição de sua mãe, que era uma deusa, e a qual lhe deve ter dito mais ou menos isto:

Filho, se vingares a morte de teu amigo Pátroclo e matares Heitor,
tu mesmo morrerás, porque, imediatamente depois de Heitor, o teu destino estará terminado" (Hom. Il. 18.96) [...]
Hanson e Heath estimam que a rejeição de Platão acerca da tradição homérica não obteve boa recepção pela base da civilização grega. Nesta etapa, os mitos mais antigos se mantiveram em cultos locais e seguiram influenciando a poesia e constituindo o tema principal da pintura e da escultura na Grécia antiga.

Complementamente, o dramaturgo do século V a.C. Eurípedes elaborava intertextualidade com as antigas tradições, embora ele tenha aplicado nos diálogos de suas personagens notas de dúvidas sobre a veracidade dessas histórias, mas o foco dessas peças era completamente voltada aos mitos. Curiosamente, muitas dessas obras de Eurípedes tinham como função responder à versões de um predecessor que havia inserido formas diferentes de um mesmo mito (assim, Eurípedes dava nova roupagem à lendas antigas). O dramaturgo impugna principalmente os mitos sobre os deuses e inicia sua crítica com um objetivo similiar ao previamente expresso por Xenócrates: "os deuses, como se representavam tradicionalmente, são demasiado antropomórficos".


fonte: http://pt.wikipedia.org

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